
A cabeça raspada na lateral contrasta com fios pretos com mechas em cor pink. Completam o visual muitas tatuagens, axilas peludas e curvas sem o padrão musa fitness. É esse o perfil de Mila Spook, que sente um certo prazer ao chocar as pessoas quando revela que trabalha como atriz pornô.
"Esses dias estava em uma loja e um vendedor perguntou com o que eu trabalhava. Falei: 'sou atriz pornô'. Ele me olhou sem jeito e ficou sério. As pessoas se assustam bastante porque eu não tenho o estereótipo das atrizes pornôs", explica ela, que atua há quatro anos como atriz.
"Acho que sou um marco na pornografia porque fujo do padrão da atriz tradicional. Depois que eu entrei nesse meio, muitas mulheres comuns entraram. É necessário ter mulheres comuns retratadas para que as mulheres que assistem possam se identificar e sentir que não precisam ter um determinado biotipo para serem desejadas e reproduziram aquilo que assistem", conclui.
Atualmente com 29 anos, ela iniciou uma nova fase em sua carreira com reconhecimento do mercado. Abriu a sua produtora, mesmo diante das críticas do mercado que achava que uma mulher não teria êxito em tal função, e dirigiu o seu primeiro filme [Des]Conectados, que concorre em oito categorias no Prêmio Sexy Hot, o Oscar do pornô brasileiro, que será realizado nesta terça-feira (9), em São Paulo.
Apesar de cobiçar mais o prêmio de Melhor Cena de Sexo Oral, Mila conseguiu um grande feito assim como Mayara Medeiros. Pela primeira vez, as mulheres são representadas na disputa da categoria de Melhor Diretor. Elas concorrem com Marcello Cavalcantti. Mila acredita que isso também represente o começo de uma nova era em um mercado ainda machista.

"Os filmes têm que dar mais enfoque no prazer da mulher. Conteúdos feitos por produtores convencionais querem apenas mostrar a penetração e mais nada. Não se importam com o cenário, com história e em mostrar o prazer feminino. Uma cena do homem recebendo um sexo oral toma dez minutos, já a da mulher recebendo o oral é retratata em segundos. Mas com certeza isso deve mudar. É muito importante as mulheres participarem do processo de criação para reeducar o homem na questão do que a mulher gosta. A maioria das mulheres não sente prazer com a penetração e os homens não entendem isso. Elas gozam com o sexo oral. As produtoras estão caminhando para isso até mesmo porque pesquisas têm mostrado que as mulheres consomem nosso contéudo", explica ela, se referindo a pesquisa do canal PornHub, que revelou que 80% do tráfego proveniente de aparelhos móveis que buscam por pornografia, vem dos celulares das mulheres.
"O cinema pornô ainda é muito amador no Brasil. Os atores que têm que levar seu próprio figurino, ir maquiados e levar até a toalha para o banho. Não há preocupação com cenário, fotografia e nem com o roteiro. Esse foi um dos motivos pelo qual resolvi me desvincular de todas as produtoras e criar a minha própria. Quero fazer um trabalho bonito."
Você nasceu em Alegrete, município do Rio Grande do Sul, com 75 mil habitantes. Como foi sua educação em casa em relação ao sexo? Era um tema debatido com liberdade?
Nasci em um lugar conservador, bem interior. Mas fui criada por minha avó Vera, que tem o lema: "se você não esta roubando, matando ou sacaneando alguém, faça o que quiser e seja feliz". Por isso, sempre contei tudo para ela. Até hoje, conversamos sobre tudo! Ela, minha mãe e minha tia me educaram sem preconceitos, de uma forma que eu não sentia vergonha de falar nenhum assunto. Minha avó tem 62 anos e está mais ansiosa do que eu em relação a essa premiação (risos). Pena que ela não vai conseguir ir porque mora longe, mas no ano que vem, pretendo levar toda a minha família.
E como foi quando você contou para elas que queria ser atriz pornô?
Foi tranquilo. Minha avó sempre fala, "vai te fazer feliz? Beleza". Nunca tive medo de contar para elas porque elas me criararam para que eu não julgasse ninguém.
Com quantos anos começou a se interessar pelo universo pornô?
Assisto filmes pornôs desde os 12 anos. Botava o despertador para poder assistir Emmanuelle (série de filmes eróticos que começou na década de 70) às duas da manhã com fone de ouvido. Aos 13 anos comecei a mandar fotos sensuais para um site. Sou atriz há quatro anos, mas faço ensaio sensual e nu desde os meus 18. Trabalhava com fotos fetichistas. Quando me mudei para São Paulo, fui convidada para fazer filmes sensuais. Daí, veio o convite para um pornô heterossexual e acabei cedendo.
Você disse que é uma pessoa muito tímida...
Sou extremamente tímida! Isso é bem contraditório. As pessoas não entendem. Tenho amigos fotógrafos, que me fotografaram em ensaios sensuais e em gravações de filmes, que dizem que eu viro outra pessoa quando começa o trabalho. Encarno um personagem.

Como foi gravar a sua primeira cena?
Meu primeiro filme com penetração foi um pouco frustrante. Era para fazer um pacote. No cinema erótico, a gente não ganha por dia, ganha por cenas feitas... Estava vestida de enfermeira e a primeira cena de sexo foi feita no chão, sem nenhum cuidado da produção. Foi frustrante!
Você consegue gozar durante os filmes?
Eu não gozo com penetração. Por isso gosto de sexo oral. É óbvio que sinto muito prazer na hora da penetração, mas gozar mesmo, não. Meus fãs falam que dá para ver na minha cara quando não estou gostando... Eles sabem.
Tem alguma coisa que você se recuse a fazer?
Não faço anal! Não gosto e não sinto prazer. E não existe essa de anal técnico que o Alexandre Frota disse ter feito [a informação não procede, Frota foi alvo de fake news]. Sou a única atriz brasileira que nunca fez anal. Também não gosto de ser cuspida. Tem outras maneiras de me deixar molhada. A minha luta é essa, para a mulher fazer apenas o que ela se sentir confortável em fazer. Ela não tem que fazer para agradar o homem. Ela tem que se agradar. Muitas atrizes se submetem a fazer coisas que não curtem. Quanto mais você fizer de tudo, mais espaço e destaque vão te dar. Quando comecei a atuar, me chamavam de fresca, diziam que eu não era uma atriz completa. Sou uma atriz completa, sim.
Você foge dos padrões físicos das atrizes pornôs. Sua depilação não é completa, por exemplo. Nunca sofreu pressão para ficar nos moldes das atrizes americanas?
Do meu primeiro filme para cá, engordei alguns quilinhos. Sou peluda até debaixo do braço. Gosto de pelo, deixei crescer e acho lindo. O mercado não se incomoda com o meu corpo, mas não curtem os pelos. Muitas produtoras pedem para que eu raspe os pelos das axilas. O pessoal não está acostumado a ver mulher com pelo no sovaco. Até quem me segue não encara bem isso. Recebo muitas mensagens quando posto. Os homens têm caído muito em cima de mim. Dizem que estou relaxada, que engordei, deixei pelo crescer... Tem homem que é extremamente machista e acha que só ele pode ter pelo. Gosto um pouco de chocar as pessoas e deixá-las desconfortáveis.
Assim como na carreira de atriz convencional, vocês se preparam com cursos para fazer os filmes?
Tem apenas que fazer a chuca (técnica de limpeza da região anal)! Como o pornô convencional no Brasil tem poucos diálogos, a gente não precisa se preparar muito. Mas tenho visto uma mudança neste cenário já nas novas produções, que até têm contratado um preparador para dar aulas para os atores. Isso é muito bom para profissionalizar as pessoas que trabalham neste meio e para mudar a imagem que se tem do ator pornô. As mulheres sofrem muito preconceito. Somos tratadas como vagabundas. Temos mulheres formadas, que são casadas e têm filhos. Mulheres de respeito, mas que são mal vistas. Lá fora elas são estrelas.
Vocês recebem roteiros? E as cenas de sexo são coreografadas?
A maioria dos filmes que eu fiz como atriz hoje, a gente produziu na hora. Poucos mandaram roteiro antes para a gente. As falas também são muito curtas. Agora estão fazendo uma pegada diferente e há mais necessidade de mandar um roteiro. Participei recentemente de uma produção em que eu não tive cena de sexo, mas recebi o roteiro. Mas normalmente é no improviso. Nas cenas de sexo também. As produtoras brasileiras não estão preocupadas com a história, querem penetração. Normalmente, a gente grava dez minutos em cada posição e são quatro posições. É bem amador ainda. Não tem acervo de figurino, não tem maquiador, diretor de fotografia... Mas já vejo mudanças, tem gente investindo em equipamento profissional. A verdade é que não é necessário ter verba alta para fazer algo de bom gosto.
No cinema tradicional, muitas atrizes têm se pronunciado sobre casos de assédio. Em um ambiente com mais intimidade como o pornô, você já sofreu assédio por algum colega ou diretor?
Comigo nunca aconteceu. Sou brava e jamais aceitaria. Mas nunca nenhuma das minhas amigas do meio vieram me falar que foram desrespeitadas. Os homens que trabalham com isso são muito tranquilos e uns amores. Comigo sempre foi muito tranquilo. Nunca precisei de teste do sofá. A gente não ouve falar disso aqui. A maioria das produtoras não é formada por pessoas que trabalham com audiovisual, são pessoas de uma mesma família até. Têm produtores que eu conheço até as esposas. A gente se adora. Sempre me respeitam. Então, acaba sendo um ambiente familiar. As pessoas têm uma ideia errada que este ambiente é de festa, drogas e loucura. É a maior mentira! Eles podem ser mais amadores na produção do contéudo, mas são profissionais na questão de respeito em relação às atrizes.

O que torna um ator pornô digno de ser premiado?
Acho que tem que passar a verdade e deixar o mais natural possível. Quando assisto gosto de ver algo natural, nada mecânico.
Alguns atores usam de medicamentos ou outros estímulos para ficarem excitados. Como funciona para as mulheres?
Os homens tomam Viagra porque é muito tempo de cena. Ninguém aguenta ficar muito tempo de pau duro. Já a mulher é mais de boa, pode fingir... Mas eu gosto mais de ter um carinho antes para me deixar com tesão. Por isso que não gosto que chegue na ereção logo de cara. Sei que é filme e pornô e não sou a favor da romantização desse conteúdo, mas tem que ter toque, preliminar, para deixar no clima.
Acha que o mercado ainda é muito machista ao retratar o sexo? Existe ainda essa ideia de mostrar o prazer do homem sem se preocupar tanto em retratar o da mulher?
Sim. Mas com certeza isso deve mudar. É muito importante as mulheres participarem do processo de criação para reeducar o homem na questão do que a mulher gosta. Têm muitos amigos que acreditam que tem que fazer sexo daquele jeito que é retratado no filme. Não é assim. Há uma preocupação em mostrar muito a penetração. A maioria das mulheres não sente prazer com a penetração e os homens não entendem isso. Elas gozam com o sexo oral e têm vergonha de falar disso. Temos que mostrar essa realidade, mostrar que é bom. Homens não dão valor para o sexo oral. O sexo oral é a melhor parte do sexo. O sexo para mim podia ser só sexo oral. Adoro fazer e receber. É importante dar um enfoque maior nisso. Os diálogos também são importantes e devem ser mais trabalhados. As produtoras estão caminhando para isso até mesmo porque pesquisas têm mostrado que as mulheres consomem nosso contéudo (de acordo com uma pesquisa do PornHub, 80% do tráfego proveniente de aparelhos móveis que buscam por pornografia, vem dos celulares das mulheres). Então, é preciso produzir contéudo para elas. Poetizar a pornografia não é comigo, mas tem que ter enredo, diálogo e história coerente.

Você está solteira? Nos seus relacionamentos eles esperam que você se comporte do mesmo jeito que no filme?
Não gosto de nada agressivo. Sou bem amorzinho. Tenho muito fetiche, mas não gosto de receber tapa na bunda. Fazer isso é pedir para levar tapa na cara! Gosto de sexo mais suave e de sentir, não quero ser destruída. Recebo muitas mensagens de homens falando coisas nojentas e absurdas porque acham que têm a liberdade por me verem pelada e fazendo sexo nos filmes. Isso me fez ver o sexo de outra forma. Não deixei de gostar de homem por causa disso, mas tenho raiva desse comportamento, dos que se sentem na liberdade de me mandar fotos do pau duro e de dizer que acabaram de gozar me assistindo. Acho desnecessário. Sempre gostei de sexo. Mas agora vejo o sexo de outra forma. Por isso, na minha vida particular, me relaciono muito pouco. Evito ficar com pessoas novas, principalmente porque o cara vai achar que eu vou destruir ele na cama e não é assim. Só quero fazer amorzinho gostoso, não quero sexo louco. O último cara com quem eu saí, a gente ficou quatro horas fazendo só sexo oral. Também teve papo e massagem. Digo que oral e massagem são melhores que penetração. Não faço sexo com o cara só pela ereção. Se for assim, prefiro meu vibrador. Me masturbo todos os dias. Se o cara não se importar com preliminares e o oral, prefiro fazer sexo comigo mesma porque eu sei me satisfazer. Sexo casual não me interessa porque sei que vou me arrepender depois. Dá para contar nos dedos das mãos com quantos caras eu fiquei neste ano. Estou completamente satisfeita com os meus vibradores, amo muito eles.
Agora que você faz e produz filme pornô, ainda gosta de consumir esse conteúdo?
Até hoje ainda assisto filmes eróticos todos os dias. Gosto dos que são feitos fora do país porque costumam ser mais elaborados, ter mais qualidade e um diálogo maior. É algo que quero que o cinema pornô brasileiro também tenha. Estamos caminhando para isso. Também me masturbo todos os dias. Gosto de sexo!

Quantos filmes eróticos você já fez?
Como atriz não faço ideia. Nunca parei pra contar. Deve ser mais de 30.
O que você conseguiu conquistar com o seu trabalho como atriz pornô?
Não dá para viver só como atriz pornô, nem no exterior. Muitas meninas acabam virando garotas de programa. Adoraria ter disposição, mas não tenho pelo fato de ser mais seletiva. Na minha juventude, dava mais que fruta do pé, era ninfomaníaca, transava muito. Mas com o tempo, aprendi que não preciso de um homem pra me satisfazer. Uma coisa é gravar com ator que a gente conhece e outra é transar com um cara qualquer. Mas não tenho nada contra quem faz isso. Às vezes, até cogito fazer um programa para experimentar. Talvez um dia faça essa loucucra, mas no momento sou feliz assim. Hoje a minha atividade principal é ser cam girl (mulher que faz shows eróticos via web cam). Dá para ganhar um bom dinheiro com isso e trabalho de casa mesmo. Estou online todos os dias, fazendo shows eróticos. Amo fazer isso. Vim com duas malas só para São Paulo e hoje tenho a minha casa maravilhosa, do jeito que eu quero. Também consigo viajar. Em agosto, passei um mês na Europa. Tudo isso conquistei como uma cam girl.
Como se imagina daqui alguns anos?
Sou cabeleireira e tenho alguns cursos como esteticista. Acho que vou trabalhar com isso. Muitas pessoas falam que eu não tive outra opção. Trabalhei anos no salão de beleza da minha tia, fiz cursos de pigmentação, sou massoterapeuta e também tenho fomação como barista e bartender. Comecei quatro faculdades, mas não completei os cursos porque não me interessavam. Sei que não dá para trabalhar a vida toda com o pornô. Então, pretendo me manter com pelo menos dois trabalhos. Como esteticista e produtora

