
Por Raquel Pinheiro
Nas ruas, Gabriel Sanches é abordado, abraçado e beijado. O carinho do público não é à toa: Rubia, a drag queen vivida por ele em Pega Pega caiu nas graças da audiência, que não só acolheu a personagem como entendeu sua função social na trama das 7. “Há quem se sinta representado e sou muito encorajado. Tem gente que chora”, diz. A personagem não é novidade para o ator de 29 anos, que fez um ensaio especial brincando com o lado feminino e masculino. “A questão de gênero me chamou atenção cedo”, afirma Gabriel, que já viveu outra drag, Sara Lola, na peça Minhas Mulheres Tristes: Uma Ode Furiosa ao Samba-canção.
Foi por causa dela que Gabriel foi chamado para o teste para Rubia, que, quando não está vestida de mulher, é o doce Fábio. “Sabe quando você sente que foi bem? Aconteceu comigo”, diz ele que já tinha feito participações nas novelas Salve Jorge (2012) e Caras & Bocas (2009). Rubia/Flávio é o primeiro papel de peso de Gabriel, até chegar à Globo passou por um longo caminho, com muito teatro e cinema.

Nascido em Brasília, onde foi criado, Gabriel perdeu o irmão, Eduardo, três anos mais velho, na adolescência. Dudu, como era chamado pela família, nasceu com espinha bífida e, em busca de tratamento, o ator e sua família – os pais, o saxofonista Eduardo, 58, e a psicóloga Maristella, 52, e a irmã, a estudante de arquitetura Natalia, 23 - foram até para os Estados Unidos. “Espinha bífida é a segunda malformação mais comum em seres humanos vivos, não é uma coisa rara. Minha mãe descobriu que o melhor lugar para tratar meu irmão, onde os estudos eram mais avançados, era Chicago. Nossa situação financeira nunca foi fácil. Aí, na época, ela foi até o Palácio Alvorada e disse que só ia sair de lá quando conseguisse falar com o presidente, que era Fernando Collor de Mello”, conta.
Collor acabou recebendo Maristella e avisando que não tinha como ajudá-la financeiramente. “Mas ele disse que podia fazer era dar visibilidade à situação”, explica Gabriel. “Aí, no 7 de setembro desfilamos com ele. Depois o governador, que era o Joaquim Roriz, fez um leilão de cavalos e, com o dinheiro fizeram uma poupança para o meu irmão. Até os 18 anos, meu irmão foi para Chicago diversas vezes, cheguei a morar lá uma época”, conta ele, que ficou em uma casa acolhimento, no caso a House McDonald’s.

Para Gabriel, a situação acabou se tornando uma oportunidade. “Desde cedo tenho facilidade de aprender línguas por causa disso”, acredita ele, ressaltando outro ponto. “Minha mãe sempre foi uma pessoa muito inclusiva, e eu participei muito do processo todo. Ficava horas no hospital. Enquanto Dudu estava em tratamento, eu brincava de teatrinho. Ela criava fantasias para que nós não ficássemos mal com clima de hospital", conta.
O esforço de Maristella fez não só dela um modelo para o filho (“Ela é uma grande guerreira e referência para mim de quem persegue o sonho e o desejo”), como incentivou a criatividade do menino. “Em Brasília, tinha acesso era TV, a gente via muita televisão. Na casa da minha avó, ensaiávamos (ele e os primos) um teatrinho durante as férias e passávamos pela rua vendendo ingresso. Os tios incentivavam e, um ano, montamos um texto de um bisavô”, lembra Gabriel, que aos 10 anos pediu aos pais para fazer aulas de teatro na escola e, aos 13, entrou um curso, só parando para o vestibular.

Foi nessa época que a vida dele deu uma reviravolta. Dudu foi hospitalizado com uma pneumonia e morreu de infecção generalizada. “Fomos criados muito juntos e, quando você tem uma experiência tão radical dessas, repensa a vida. Eu ia fazer vestibular para jornalismo e desisti. Não era aquilo que queria e não tinha dúvidas do meu sonho”, afirma ele, decidiu deixar a cidade aos 17 anos. No começo, seus pais não acharam um bom momento para o filho morar em outro estado porque “já existia um vazio em casa”. Gabriel, que pensou em morar em São Paulo, acabou indo para o Rio, onde viveu com o tio, o guitarrista Nelson Faria.
“Minha família paterna sempre foi muito musical, meu pai é saxofonista, tenho uma tia que é artista plástica... Nossos Nataisl são todos com coral, todo mundo cantando”, conta o ator, que no Rio fez o teatro na CAL e cursou Letras na UFRJ. “Pensei no que poderia agregar mais à minha trajetória e com Letras imaginei ter um espaço para exercitar mais a construção de personagem e narrativas”, explica ele, que chegou a morar em Londres um período com um bolsa para intercâmbio. “Fiz um ano de formação e crítica de cinema no King’s College”, lembra o ator, que também estudou teatro na Itália.

Em 2008, ele entrou para a Oficina de Atores da Globo, mas mesma turma de Bianca Bin, Guilherme Leicam e Rainer Cadete. Dar conta de tudo era, como o ator diz, um sufoco. “Ia para a faculdade de manhã, fazia duas matérias, corria para a Oficina, ficava lá até de noitinha, saía correndo para a CAL. Nessa época, pedi uma ajuda de meu pai para ter um carro. Quando acabou esse momento, vendi”, relembra ele, que se envolveu com dança, teatro e cinema.
“Me joguei em muita coisa. Não fiz todos os testes que apareceram porque queria muito escolher sobre o que eu ia falar, sobre o que era relevante para a nossa sociedade”, explica. “Sempre gostei de ver a arte como aliada da responsabilidade social”, afirma Gabriel, que se preparou para Rubia. “Vi todos os episódios de Ru Paul’s Drag Race, um documentário chamado Pageant, o espetáculo da drag Suzi Brasil, fui ao Buraco da Lacraia (casa no Rio)...”, lista ele, reforçando a importância da presença de Rubia na trama das 7. “A personagem tem uma função social e foi legal a abordagem de colocá-la de forma inclusiva sem que as pessoas a rejeitasse ou existam questões problemetizadoras”, analisa Gabriel. “Ela não é uma exceção”, avisa.

O tema é de interesse de Gabriel há alguns anos. “A questão de gênero me chamou atenção cedo. Sempre tive essa curiosidade. Na minha família nunca foi imposto que eu fosse o macho ou isso ou aquilo”, conta ele, que recebe muito afeto pela personagem. “Há muito apoio nas redes sociais, as pessoas me reconhecem e me abraçam nas ruas. Elas falam muito da Rubia, da magia que ela leva para a televisão. Há quem se sinta representado e sou muito encorajado”, diz o ator, que já viveu situações emocionantes por causa de Pega Pega. “Tem gente que chora. Teve uma mãe que me abordou e disse ‘eu tenho um filho que está se descobrindo drag e seu trabalho está sendo importante para todos nós’”, conta.
Para ele, a relação entre Flávio, o e Rúbia é como aquela entre Peter Parker e o Homem-Aranha e Diana e a Mulher-Maravilha. “O Flávio é o Peter Parker, é a Diana; uma pessoa frágil e delicada, doce e tímida. Através da feminilidade, ele se empodera, vai para o palco e fala com todo mundo”, analisa Gabriel, que não se assusta em ficar rotulado pelo personagem. “Nos últimos dois anos e meio venho trabalhando muito com a feminilidade, e a consequência disso é que minha vertente artística mais conhecida neste momento seja o viés feminino. Ser um homem viril, com masculinidade exagerada, não é um problema também”, diz ele.

Com a novela na reta final, Gabriel está começando a pensar em projetos para 2018. “Eu preciso de uma pausa, porque esse trabalho é de uma intensidade grande”, confessa ele, que, discreto em relação à vida pessoal, diz que prefere guardar sua intimidade. “O protagonista é o trabalho”, brinca o ator, que volta a Brasília para ver a família mas ainda está longe de ser um completo carioca. “Sou adaptado, mas não sou da praia, da muvucada”, conta aos risos. “Gosto das coisas do Rio, amo Carnaval, mas não curto essa versão do Rio muito quente”, brinca.