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Quem acompanha o Tik Tok já deve ter visto muitos famosos fazerem a sua coreografia de Tudo o Sigilo. O hit da quarentena tem transformado a vida sua intérprete, a funkeira Bianca.
Nascida e criada na favela do Parque São Mateus, em Campos dos Goytacazes, no Rio de Janeiro, ela teve uma realidade bem diferente da garota da zona sul descrita em sua música. "Não sou nada de garota da Zona Sul não. Nasci e fui criada na favela. Tive uma infância normal para uma criança que vive em comunidade e batalhei muito para realizar os meus sonhos. Ainda batalho!", conta.
Com o sucesso da canção, que está entre as mais baixadas das plataformas de música e teve 60 milhões de visualizações no YouTube, Bianca se mudou para um apartamento de frente para a praia da Barra da Tijuca, bairro mais nobre do Rio.
"Depois que surgiu Tudo no Sigilo na mídia, apareceram eventos em todo o Brasil para eu fazer, mas por conta do coronavírus, minha agenda está fechada. Mas estou muito feliz por ver as coisas acontecerem. Ver como os meus fãs têm me abraçado. Hoje, estou morando na Barra da Tijuca, num apartamento em frente à praia, e toda vez que eu acordo e vejo o mar da minha varanda não deixo de agradecer por tudo que tem me acontecido. Sempre falo para os meus seguidores para que não deixem de acreditar nos seus sonhos."
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Seguida por 192 mil pessoas no Instagram, Bianca também usa a visibilidade para falar sobre autoestima e quebrar esse padrão de curvas perfeitas.
"A cobrança pelo corpo perfeito ainda é grande. Costumo dizer que uma mulher precisa ser duas coisas: quem ela é e o que ela quiser. Não é um corpo que define a beleza de uma pessoa. Quando criança, eu era gordinha e já escutei comentários horríveis! Já me chamaram de baleia e coisas assim, me me deixavam muito mal e até meio traumatizada. Na maioria das vezes vinha em tom de brincadeira, mas eu sabia que não era, e aquilo doía, sabe? Com o tempo, passei a me aceitar mais do jeito que eu sou. Óbvio que a gente tem que melhorar, não só pela estética, mas também pela saúde. E hoje, quando me olho no espelho, vejo uma mulher muito feliz e de certa forma realizada, que se ama e respeita sua essência. Que ama suas raízes e respeita a natureza."
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Quando começou a se interessar pela música como cantora?
Desde criança. Sempre amei cantar e muita gente não acreditou no meu potencial, mas isso sempre foi um sonho pra mim. Sempre quis ser cantora. Antes disso eu era dançarina, então o funk foi uma possibilidade para que eu pudesse fazer as duas coisas que amo. Para buscar esse sonho, saí da minha cidade no interior do Rio de Janeiro e vim para a capital. Procurei umas casas na internet e achei uma kitnet compartilhada no morro do Congonha. Depois morei de favor em Miguel Couto, em Nova Iguaçu, e depois em São João de Meriti, ambos na Baixada. Eu ainda não possuía a maioridade quando vim para o Rio, então ainda recebia pensão do meu pai e minha amiga que veio morar comigo também recebia. Mas ainda assim, juntando nosso dinheiro não dava nem 700 reais.
Passou muito perrengue?
O que é isso pra alguém que precisa pagar aluguel, comer e ter condições para correr atrás dos sonhos? Teve dias que não tínhamos sequer um real, nem para nos alimentar. Passamos por situações muito ruins por falta de dinheiro, fomos até para a praia vender caipirinha pra tentar nos manter. Foi surreal tudo que passamos. Dormimos no chão por não ter colchão e muitas outras coisas, mas fico feliz por ter valido tudo a pena e hoje eu poder estar aqui para contar a minha história. Agradeço a Deus todos os dias por ter enviado pessoas que acreditaram em mim e no meu talento, como o DJ Pedro Henrique e o meu empresário Bruninho.
Sofreu preconceito por escolher o funk com estilo?
Sim, muitas vezes. Em pleno século 21, o preconceito é enorme. Boa parte da sociedade ainda julga muito a liberdade de expressão de uma mulher, mas vejo o quanto a nossa força de vontade faz a gente chegar longe. O mundo da música para mulheres é difícil sim e eu espero que um dia isso mude completamente, porque somos fortes, somos incríveis, determinadas e livres. Só espero que mulheres que sonham como eu, não desistam também. Não é fácil, mas nunca impossível. Lute como uma garota!
A Lexa me disse que já sofreu muito assédio sexual neste meio musical quando estava começando com o funk. Você passou por situações assim?
Várias vezes. É triste isso, mas acho que até já perdi a conta. Já sofri assédio moral e até físico, vindos de pessoas do meio que prometiam ajuda, mas em troca eu teria que pagar com o corpo. Não falavam dessa forma, mas deixavam aquilo bem claro. Principalmente antes da música Tudo no Sigilo se tornar tudo o que é hoje. Porque eu ficava igual uma maluca, enviando mensagem, ligando, pedindo... Eu não tinha vergonha. Queria muito o meu espaço e as pessoas tentavam aproveitar que eu não tinha música e ainda não era conhecida. Infelizmente, além do preconceito essa é mais uma luta que nós mulheres precisamos enfrentar. E acho que não só no funk ou na música, mas na vida em geral.
Como se sente tendo sua música na boca de ídolos como Renato Aragão, Simone Mendes, Larissa Manoela, Bianca Andrade e até da Any Gabrielly, do Now United?
Quando a gente lança uma música, a gente sempre espera que dê certo, mas nunca imaginei que pudesse chegar a esse ponto de estar tocando no Brasil todo, de ter famosos cantando, dançando... E para mim isso ainda é meio surreal. É inacreditável. Esses dias, eu estava chorando achando que não iria conseguir. Realmente ainda não consigo acreditar, mas está acontecendo e fico muito emocionada com isso. E todos são bem especiais para mim, desde as pessoas comuns, quanto os famosos. E confesso que me emocionei muito com cada um deles, porque a maioria dessas pessoas são artistas que eu cresci admirando e que eu me inspirei muito.
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Teve algum vídeo do Tik Tok com a sua música que foi mais especial?
Confesso que me surpreendi muito com o vídeo do Renato Aragão, por exemplo. Nunca imaginei que ele iria ouvir minha música e dançar, curtir, sabe? Achei o vídeo dele muito divertido, foi um grande presente. E o mais legal é que vi pessoas de fora fazendo também, como a Sina, a Any e até a Emilia, que é um sucesso na argentina, uma cantora maravilhosa com quem vou lançar minha primeira parceria internacional em breve. Ela conheceu a música Tudo no Sigilo na internet e fez um vídeo dançando também. Depois disso ela entrou em contato e me chamou para gravar a versão remix de No más, que vai chegar para os brasileiros como Já é Tarde. O lançamento vai ser no dia 14. Aguardem!
Você é ativista corporal nas redes. As criticas já te abalaram?
Essa cobrança de certa forma me assusta porque se eu estou me sentindo bem, eu não ligo para as críticas caso eu esteja com uma barriguinha a mais. Só que algumas pessoas fazem questão de te criticar, às vezes pelo simples prazer de criticar mesmo. Mas se está bom para a gente, o problema é das pessoas, e não da gente.
Quando começou a amar seu corpo do jeito que era?
Acho que a maturidade me ajudou muito nesse sentido. Eu passei a entender que um corpo perfeito é um corpo que a gente se sente bem. Independente de ser gorda ou magra. Nosso corpo é o nosso templo, então o corpo perfeito é o nosso corpo mesmo. E passei a não concordar muito com essa coisa de padrão de beleza. Acho que o padrão da nossa beleza é o que a gente é e ponto. Independentemente de qualquer coisa.
Qual o seu maior sonho hoje?
Meu maior sonho sempre foi mudar a vida da minha família com meu trabalho, dar a estabilidade financeira que eles nunca tiveram. Eu pretendo ser reconhecida pela minha arte. Quero conseguir passar uma mensagem e sentir que esta mensagem está alcançando as pessoas.
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