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Luis Melo: “Não tinha dinheiro, mas eu era feliz”

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Luis Melo (Foto: Stefano Martini)

Luis Melo não titubeia: as memórias que não gostaria de esquecer são relacionadas a períodos difíceis do início da carreira. “Não tinha dinheiro, sofria, no fim do mês tinha problema de pagar aluguel, não tinha emprego fixo. Mas eu era feliz, sabe como?”, diz. Memória é, atualmente, um tema central na vida do ator, que interpreta o Atílio da novela Amor à Vida, um administrador de hospital que sofre de amnésia e assume a identidade de um homem comum, Gentil.

Melo estreou na emissora como o professor Rubinho de Cara e Coroa (1995). Ator de teatro premiado, ele garante que nunca teve preconceito com a televisão. “Sabia que chegaria a hora em que (trabalhar na TV) seria algo necessário.”

De Curitiba, sua cidade natal, de onde saiu na década de 80 para os palcos de São Paulo, ele carrega um sotaque leve e o “daí” que pontua algumas frases. Aos 55 anos, solteiro e sem filhos, em cartaz na capital paulista com a peça Ausência, o ator investe no Campo das Artes, centro multicultural para produção e desenvolvimento de projetos artísticos e formação de profissionais no Paraná. Desafios não o assustam. Em 2000, ele também criou o ACT, Ateliê de Criação Teatral, com recursos próprios. “Ninguém é obrigado a embarcar no seu sonho”, diz.

Veja mais (Foto: Revista QUEM)

QUEM: Atílio sofre de amnésia. Se você pudesse escolher uma memória inesquecível, qual seria?
LUIS MELO:
Essa memória é afetiva e tem muito a ver com a saudade de momentos. Às vezes, é um tempo em que se sofreu muito, de ralação. Naquela época (o começo da carreira), eu era mais livre, não tinha tanta responsabilidade, podia errar. Eram momentos em que, meu Deus, não tinha dinheiro, sofria, no fim do mês tinha problema de pagar aluguel, não tinha emprego fixo. Mas eu era feliz, sabe como? Tinha liberdade... Tenho essa saudade, mas também não me apego.

QUEM: Por que não?
LM:
A gente tem que ser admirado pelo que está fazendo agora e não respeitado pelo que fez no passado. É legal ter memórias boas e sensações de momentos felizes. Mas não se pode deixar que isso seja uma amarra. Tenho saudade de coisas que foram aparecendo sem eu correr muito atrás, a vida era mais lenta. Hoje, você entra nas redes sociais e já tem 50 querendo bater papo.

QUEM: Você usa as redes sociais?
LM:
Fico irritadíssimo com Twitter. Você está falando com a pessoa (algum colega de trabalho) e ela está vendo se a cena dela está bombando no Twitter, ninguém conversa. Tenho Facebook para divulgar a minha peça, mas fico três dias sem entrar.

QUEM: Reencontrou amigos pelo Facebook?
LM:
Sim, principalmente turma de escola. Geralmente, está todo mundo velho, barrigudo (risos). Você tem saudade porque conviveu muito tempo com essa turma. Por exemplo, eu era muito ligado ao esporte, sabia? Comecei a nadar com 3 anos para curar uma bronquite, era asmático. Depois fui para o basquete, mas não tinha muita altura e sempre fui meio gordinho. Só comecei com a arte com 18 anos, daí, cortei o esporte.

QUEM: Sua família era ligada à arte?
LM:
Meu avô era militar e minha avó e minha tia faziam dramalhão de circo no quartel. Minha mãe foi locutora de rádio muito nova, com 15 anos. Quando comecei a fazer teatro, acharam que era fogo de palha, porque fui direcionado para a arquitetura, sou técnico em edificações. Estudava para ser arquiteto e descobri o teatro no meio do caminho.

Luis Melo (Foto: Stefano Martini)

QUEM: Como foi essa descoberta?
LM:
Meu pai era policial militar e ganhava ingressos de espetáculos. Ele não ia, e eu pegava os ingressos. Comecei a gostar de teatro até que tive curiosidade pelo que se passava ali atrás. Fui fazer escola de teatro e, na mesma época, servi o exército, por um ano e meio. Meu primeiro público foi o pessoal de lá.

QUEM: Como foi a experiência?
LM:
Eu pensava “poxa, como eles vão aceitar que estou fazendo aulas de teatro?”. Mas o primeiro fotógrafo de cena que eu tive no curso era um sargento que era fotógrafo no exército, e tem um tenente que, por minha causa, acabou virando um excelente diretor de teatro. Eu ensinava dicção para eles darem a ordem unida. Muitos oficiais tinham a língua presa, e eu dava aulas para eles poderem mandar melhor (risos).

QUEM: E o pessoal do curso?
LM:
O estranho é que eles me deixavam entrar em tudo que é lado do teatro. Na realidade, como eu ia de farda, pensavam que eu era um agente (da ditadura militar). Depois, me falaram: “Melo, você sempre teve acesso porque a gente sempre achou que você era um infiltrado, um dedo-duro”. E eu dizia a eles que achava mesmo que me tratavam bem demais.

QUEM: Pensou em fazer outra coisa?
LM:
Passei para ciências sociais, fiz história, psicologia, matérias que me ajudavam a fazer teatro, mas eu não completava nenhum curso. Até que o reitor quis saber em que momento eu ia sair, pelo bem da universidade (risos).

QUEM: Sua família ficou assustada com a decisão de ser ator?
LM:
Não. Meu pai falou: “Não importa a profissão, seja o melhor dentro dela, vá ser feliz. Não seja medíocre. Se for medíocre, vá fazer outra coisa”. Sempre tive esse apoio. Saí de Curitiba para São Paulo buscando o teatro de pesquisa. Fiz teatro, televisão e voltei, montei o ACT. Agora estou construindo o Campo das Artes.

QUEM: Como é o projeto?
LM:
São residências artísticas em um terreno de 65 mil metros quadrados em São Luiz do Purunã. É um complexo de produção de cinema e de televisão, cenários e figurinos. Já tenho dois barracões e estou dando o pontapé inicial. É um projeto a longo prazo, audacioso. Um projeto de vida.

QUEM: Não teve medo de dar um passo tão audacioso?
LM:
Nunca tive medo, nunca parei para pensar que não é possível. Não costumo dar o passo maior que a perna. Não sei aonde o Campo das Artes vai chegar ou o que vai desencadear. Eu não faço teatro assim, também não procuro fazer televisão só nas condições ideais. Não é porque não apareceu parceria que não vou fazer.

QUEM: Você está bancando tudo?
LM:
Comprei o terreno e não tenho nenhum tipo de apoio. Foi assim com o ACT. Eu dei o pontapé inicial, depois apareceram pessoas, porque ninguém é obrigado a embarcar no seu sonho. Eu sempre passo por isso, primeiro eu faço, depois as pessoas chegam.

QUEM: Passa pela sua cabeça que possa não dar certo?
LM:
Não. O ateliê era uma antiga estufa de bananas, as pessoas falavam que eu era louco, que investi uma fortuna na reforma e não recuperaria o dinheiro. Mas não tenho carro, faz de conta que eu comprei uma Cherokee e roubaram. Um relógio caro ou um carro não me interessam. Não tenho essa coisa de ter.

QUEM: Você já disse que, se quisesse envelhecer fazendo o que gosta de fazer, teria que fazer televisão. Ainda pensa assim?
LM:
Sempre me perguntam qual é o meu patrocinador, e eu digo que é a TV Globo, porque ela me dá visibilidade. Pelo trabalho que faço na emissora, consigo desenvolver outros projetos. E a televisão, desde o início, teve um respeito muito grande por meu trabalho no teatro.

QUEM: Você teve preconceito com a televisão?
LM:
Não, eu sabia que chegaria a hora em que seria algo muito necessário, porque era um período terrível em que via colegas fazendo vaquinha para pagar hospital para alguém que fez muito pela arte brasileira. Hoje em dia, se você quer envelhecer com dignidade fazendo aquilo de que gosta, tem que saber equilibrar as coisas.

Luis Melo (Foto: Stefano Martini)

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