Só um assunto faz Rosamaria Murtinho fugir da pergunta: sua idade. O hábito é herança de família. Sua mãe e sua avó já inventavam desculpas quando questionadas sobre quantos anos tinham. Espirituosa, a atriz diz que não lida bem com números. “Eu minto até sobre minha altura”, brinca ela, do alto de seu 1,64 metro, que acaba revelando no meio da conversa. Mesmo avessa a dados numéricos, Rosamaria se orgulha de suas marcas. No ar como a inescrupulosa Tamara, sogra do vilão Félix (Mateus Solano), em Amor à Vida, ela tem 56 anos de carreira e 49 de televisão. E garante que o sucesso nunca lhe subiu à cabeça. “Não sou uma pessoa arrogante”, diz.
Mais números: o casamento com o ator Mauro Mendonça, de 82 anos, completou 54 anos – sendo que eles passaram oito anos separados, entre 1986 e 1994. O casal tem três filhos, o produtor musical João Paulo, 51, o ator Rodrigo Mendonça, 49, e o diretor da novela das 9, Mauro Mendonça Filho, 48. E cinco netos enchem a casa nos fins de semana, no Rio. Rosamaria conta como se dividiu entre carreira e família e assume seus segredos na luta conta a idade, mantida em sigilo até o fim da entrevista. “Estou na época em que as pessoas dizem: ‘Ela está bem’”.
QUEM: Você é dirigida na novela por seu filho. Como é a relação de vocês?
ROSAMARIA MURTINHO: É maravilhosa. Ele é carinhoso, mas é meu diretor. Sempre que preciso de uma orientação ele me fala: “Minha mãe, faça isso, faça aquilo”. Ele me encheu de orgulho quando recebeu o Emmy de melhor novela (por O Astro) no ano passado. Foi uma das melhores emoções que Deus pôde dar a uma mãe.
QUEM: Tamara não tem escrúpulos. Diverte-se com ela?
RM: Estou me divertindo. O grupo de atores criou um clima de trabalho ótimo. Solano é uma pessoa fantástica. Outro dia ele saiu cantando: “Rosamaria Murtinho é do maracatu”. Respondi: “Um bom lugar para se amar, Mateus Solano” (canta parodiando a música Sábado em Copacabana, de Dorival Caymmi).
QUEM: Na trama, sua personagem é adepta de tratamentos estéticos. Como você lida com a vaidade?
RM: Faço tudo que posso e o que meu dinheiro permite. Até fazer 60 anos, eu voltava do teatro e ia tirar a maquiagem no dia seguinte. Hoje, posso estar caindo que tiro direitinho, passo creme... Fiz plástica, preenchimento, só não coloco botox na testa. Atriz precisa ter expressão, senão só representa com a boca.
QUEM: Arrepende-se de não ter cuidado melhor da pele?
RM: Fui criada na Rua Visconde de Pirajá (em Ipanema, no Rio) e adorava praia. Cheguei a usar Coca-cola na pele para pegar cor. Não existia protetor solar e ninguém achava que o sol faria tanto mal. Hoje, se fala em bronzear, mas, naquela época, nós nos queimávamos.
QUEM: Como é sua preocupação com a saúde?
RM: Sou uma hipocondríaca que tem horror a médico. Tenho medo de descobrir doença. Não tive medo de envelhecer, mas tenho medo da morte. É chatice não estar aqui no ano 3000. Sei lá o que vai acontecer, mas queria ver.
QUEM: Como se mantém atualizada?
RM: Leio jornal, ouço rádio. Gosto de política. Adorei ver os jovens voltando para as ruas. Chorei assistindo ao protesto da Avenida Rio Branco (no Centro do Rio).
QUEM: Mulheres de sua geração se casavam virgens, eram donas de casa, mas você construiu uma carreira. Considera-se um exemplo?
RM: Na minha geração, atriz era puta. Ator, veado. Não sou exemplo, porque não me considero realizada. Uma atriz que se considera realizada coloca um ponto final. Mas não acho que o único prazer da minha vida seja entrar em cena. Tenho outros. Casei com o homem por quem fui apaixonada, fiz uma família...
QUEM: Como conseguiu se dividir entre sua carreira e a família?
RM: Casamos no Rio numa segunda-feira e, na terça, o Mauro estava fazendo teatro em São Paulo. Quando fiquei grávida, minha mãe ajudava e até a vizinha olhava as crianças para mim. Uma vez, um amigo (o ator Telcy Perez) estava lá em casa e morreu. Começou a chegar gente de todo lado. E, aí, uma vizinha, que eu não sei até hoje qual é o nome dela, pegou meus três filhos, levou para a casa dela, deu jantar. Eles dormiram lá, foram para o colégio, almoçaram, e ela só me entregou depois.
QUEM: O Mauro ajudava a cuidar das crianças?
RM: Era o casamento típico dos anos 60. Ele ficava na sala e eu me virava em três. Às vezes, as crianças estavam chorando e eu ia tirar da sala... Mas, pensa bem, por que eu podia ouvir choro e o pai não podia? A culpa é nossa. Nós, mulheres, permitíamos.
QUEM: Você tem três filhos homens. Foi muito mimada por eles?
RM: Teve uma época em que havia muita testosterona em casa. Além dos quatro, tinha um copeiro. Não sei como administrei aquilo tudo. Mas consegui (risos)! Eu também não era muito fácil. Fui uma mãe um pouco exigente. Dá trabalho educar, então é legal dizer que é liberal. Mas não me privei de dizer não aos meninos. Graças a Deus. Todos eles eram impossíveis, mas amorosos.
QUEM: Frustrou-se por não ter tido uma filha?
RM: Até que não. Foi acontecendo, mas sempre quis uma menina... Em compensação, hoje tenho quatro netas. Netos são umas maravilhas, mas não são filhos. Filho é uma coisa tão visceral que nada substitui. Quando nasceu meu primeiro filho, fiquei tão prosa que achava que ia sair na rua e as pessoas iam me apontar só porque eu era mãe.
QUEM: Você e Mauro chegaram a se separar por oito anos.
RM: Engraçado que nenhum dos dois decidiu se casar novamente. Ficamos separados e o nosso reencontro não foi novelesco. Uma conversa e voltamos. Ele sempre dividiu as despesas da casa comigo e somos independentes com dinheiro. Cada um dá a sua parte para a casa. Não estaria casada com uma pessoa se não fosse assim.
QUEM: O que é preciso para um casamento ser duradouro?
RM: Brigar, dar um tempo e depois ter vontade de ficar junto outra vez. Nisso tudo, está incluído o amor, é claro. Um casamento longo não é uma coisa fácil. Nós nos conhecemos no teatro, depois começamos a dançar nas festas. O primeiro beijo foi atrás de um cenário, e quase que a gente perde a deixa.
QUEM: Você não gosta de falar sua idade e diz que é péssima para datas. Por quê?
RM: Eu minto até sobre minha altura.
QUEM: Por que isso?
RM: Não sei. Digo que tenho 1,69 metro. Eu tenho 1,64.
QUEM: Você acabou de declarar a altura.
RM: Olha que pateta! Então, eu minto. Tim Maia dizia assim: “Não fumo, não bebo, não cheiro, mas eu minto um pouco (risos)”.
QUEM: Você tem 56 anos de carreira e 49 anos de televisão...
RM: (Interrompe) Olha que maravilha! E, mesmo assim, não sou uma pessoa arrogante (risos).
QUEM: Diante de datas tão marcantes, como não gostar de números?
RM: Fui habituada. A minha mãe não contava a idade e minha avó também não. Mas tem um pouco de pressão também. Uma vez, o pessoal da Confraria do Garoto (um bloco fundado só por homens na década de 70) foi atrás da minha empregada para perguntar quantos anos eu tinha. Isso virou um trauma (risos). Estou na época em que as pessoas dizem: “Ela está bem”.