
Ítala Nandi, de 77 anos, tem história para contar. A atriz, que completou 60 anos de carreira este ano, resolveu dividir um pouquinho da sua trajetória no palco do Parque das Ruínas, em Santa Teresa, no Rio, neste domingo (15), a partir das 13h. Ela é uma das atrações da 7ª edição do Fest & Arte, festival dedicado às artes cênicas criado pela atriz e produtora Kellys Kelfis.
Primeiro nu frontal da história do teatro brasileiro, Ítala dividirá suas experiências dentro e fora do palco em uma masterclass de 75 minutos, que vem sendo muito disputada, já que toda a programação do evento é gratuita. Longe da TV há cinco anos, a atriz, que marcou época como a Louca do Sobrado, de O Direito de Amar (1987), e a cafetina Lou Lou Lion, de Que Rei Sou Eu? (1989), revela que está doida para voltar à telinha. "Adoro fazer TV. Os autores não escrevem mais papéis para atores da minha geração", argumenta.
Embora esteja longe da TV, a atriz continua firme no cinema. Tanto que é a protagonista do filme Domingo, dirigido por Clara Linhart e Fellipe Barbosa, que estreou em outubro. Por causa da atuação no filme, Ítala ganhou o prêmio de melhor atriz no Festival do Rio do ano passado. Sem papas na língua, ela conversou com Quem sobre política, beleza e atuação nos dias de hoje. "Sou a favor da libertação das mulheres e de qualquer classe oprimida pela loucura da civilização materialista, sem alma, sem princípios e sem valores", afirma.

Você esteve recentemente no filme Domingo, que lhe rendeu alguns prêmios, mas há muito tempo não aparece na TV. Isso comprova que é difícil para as mulheres da sua idade serem escaladas?
Sim. Os autores não escrevem muito para atores de gerações de mais idade que não tenham morrido (risos). Porém, quando escrevem, como fez Lucas Paraizo, roteirista de Domingo, surgem esses grandes personagens como a Laura, que permitem a uma intérprete como eu, com experiência, tirar grande proveito e consequentemente ganhar muitos prêmios (risos).
Do alto dos seus 60 anos de carreira, que conselho daria a um ator que está começando?
Eu diria para ler mais do que ver TV, ler muito, mas muito mesmo. Está provado que os grandes atores são grandes leitores. Fazer exercícios físicos e buscar uma boa escola de formação de atores é sempre fundamental.
Como será sua masterclass no Fest & Arte?
Não vou ter muito tempo para me estender, não vou propor exercícios, para isso criaria uma oficina mesmo de interpretação, então pretendo transmitir minhas principais experiências no teatro, cinema e TV, uma vez que tive o privilégio de só trabalhar com os grandes diretores: José Celso Martinez Corrêa, do Teatro Oficina; ícones do Cinema Novo, como Joaquim Pedro de Andrade, Ruy Guerra e Leon Hirschmann, e, na TV, os brilhantes Jayme Monjardim, Jorge Fernando e Walter Avancini. Sem falar nos colegas maravilhosos com quem contracenei: Othon Bastos, Dina Sfat, Renato Borghi, Leticia Sabatella, Camila Morgado, só para citar alguns.
O primeiro nu do teatro brasileiro foi protagonizado por você. Como isso pôde acontecer em plena ditadura militar?
Eu diria que foi um acaso de Deus ou milagre, se é que isso existe, porque realmente com cinco censores na plateia a cena passar foi muita sorte. Acho que porque eu imaginava como atriz que aquilo seria pelo ponto de vista do amor que Maria, a personagem da peça Na Selva das Cidades, tem: ela quer mostrar o grande amor que sente. Era uma cena pura, sem sensualidades, apenas amor. O Zé Celso me disse: "Na hora você faz como achar melhor". Então, baixei a calcinha e entrei em cena. A nudez pode ser reflexo de pureza. Um dos censores disse, na época, que tinha sido "angelical" (risos).
Você participou da passeata dos Cem Mil e chegou a ficar na época proibida de dar entrevistas. Como se posiciona politicamente hoje em dia?
A partir do governo Bolsolini, que é como gosto de chamá-lo, está sendo necessário voltarmos a nos pronunciar, porque a arbitrariedade, a proibição sem qualquer justa causa passou a ser quase que cotidiana. Então, estamos novamente e, infelizmente tendo que nos movimentar contra a censura. Como eu já disse uma vez: "A Cultura é a alma de uma nação!"
Você se considera feminista? Que luta você abraça atualmente?
Não, não sou feminista nem nunca fui, sou a favor da libertação das mulheres e de qualquer classe oprimida pela loucura da civilização materialista, sem alma, sem princípios, sem valores. Sou contra a violência: essa é a minha bandeira hoje. Por isso, faço uma série no Instagram que se chama Valores Humanos. Toda semana posto um novo vídeo. Porque tudo está muito violento. Quero paz, ações boas, corretas e, acima de tudo, a verdade.
Como mantém a boa forma aos 77 anos?
Lendo muito, escrevendo, fazendo uma alimentação sadia, sem glúten sem lactose (risos). Faço muitos exercícios físicos dando aulas, passando aos jovens o que aprendi em tantos anos de profissão, usando hormônios absorvidos pela pele. Tenho amizades boas, produtivas, faço o bem aos outros, tenho bons pensamentos e sigo com fé em Deus, seja ele qual for, o nome não importa, o que importa é a irmandade em fé.
Quais são seus projetos para 2020?
Melhorar as condições da nossa Escola de Formação de Atores, o Espaço Nandi, que fica no Recreio. Tenho Notório Saber em Artes Cênicas e criei a escola há cinco anos com meu filho, Giuliano Nandi. Agora, busco uma parceria que nos permita ter alunos bolsistas porque as condições financeiras atuais estão péssimas e está cheio de alunos querendo estudar, mas que não têm condições de pagar. Também estou em busca de patrocínio para a peça A Caçada, do Evaldo Mocarzel, que quero montar. E quero muito fazer uma nova novela. Estou com saudades. É tão bom fazer televisão.
