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Bibi Ferreira: "Só tenho 25 anos. Ou muito menos"

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Bibi Ferreira (Foto: Marcelo Correa)

A memória impecável, a voz firme e o olhar direto, sempre por trás de óculos escuros, não condizem com a imagem de uma senhora de 90 anos. Mas Bibi Ferreira não tem nada de ordinário: grande diva do teatro brasileiro, filha do ator e diretor Procópio Ferreira e da bailarina Aída Izquierdo, ela se casou cinco vezes, ganhou prêmios como o Molière e o Mambembe e, em abril, faz sua estreia nos Estados Unidos com um espetáculo musical em Nova York, coroando uma carreira de 72 anos.

A consagração no teatro, onde até hoje canta, atua e dirige, não significou retorno financeiro, o que Bibi garante só ter tido com a televisão, onde dirigiu e participou de diversos programas. Para estrelar novelas, recusou todos os convites, apesar de acompanhar religiosamente as tramas das 9 da TV Globo. “Adorava Avenida Brasil”, fala a atriz, hoje de olho na saga de Morena (Nanda Costa) em Salve Jorge. “Tomo interesse como se fosse minha família, quero saber o que está acontecendo”, diz. Mãe da também atriz e diretora Tina Ferreira, de 58 anos, Bibi mora em um amplo apartamento no Flamengo, Zona Sul do Rio de Janeiro, com um dos netos e três gatos. Notívaga, acorda depois do meio-dia, adora beber refrigerante, lê com avidez e procura poupar a voz: “É meu ganha-pão”.

QUEM: A senhora vai estrear em Nova York. Está ansiosa?
BIBI FERREIRA:
Estou muito nervosa, mas muito nervosa eu fico sempre, ainda hoje. Quanto mais você trabalha, mais responsabilidade tem de se apresentar bem. Faço tudo de cor, tenho idade e não uso ponto eletrônico.

QUEM: Como a senhora se prepara para os palcos?
BF:
Sou muito devota e peço a Nosso Senhor Jesus Cristo que me ajude nessa hora, porque os nervos atrapalham a respiração. Cuido da minha voz, que é meu ganha-pão. Uma hora antes de entrar no palco, como uma banana pura e aqueço a garganta com um gole de café com açúcar. Eu trato de não falar muito. Não tomo gelado, tenho a sorte de não gostar de sorvete, não bebo e nunca fumei. Outra coisa que eu detesto é falar ao telefone.

Bibi Ferreira (Foto: Marcelo Correa)

QUEM: A senhora não tem um celular?
BF:
Não tenho, nunca tive e nem quero ter. Todo mundo à minha volta tem, eu não preciso. Eu levo uma vida muito simples. Acordo, tomo café com leite, como pão, manteiga. Tenho boa saúde, não faço dieta e não gosto de chocolate. Em compensação, adoro Coca-Cola, é meu vício. Mas nada diet.

QUEM: E quais os cuidados com o corpo?
BF:
Não faço exercícios, tenho uma coluna encrencada, então, fico quieta. Quando acordo, trato de me esticar com calma, feito um gato. Também começo a falar devagar. Não tenho problema algum, às vezes, talvez, subir uma escada. A esteira está em frente à televisão. Vejo TV, mas não faço esteira.

QUEM: Sempre quis ser atriz?
BF:
Nunca quis nada, porque eu nunca tive opinião. Naquela época, as mocinhas não mandavam em nada. Meus pais se separaram e meu pai era quem vinha de fora, sempre muito agradável. Já minha mãe era quem exigia em casa. Mamãe me deu uma disciplina que eu não tinha de nascença. Se não fosse ela, eu estaria desse tamanho, gooorda (abre os braços), com quatro ou cinco filhos. Eu era muito preguiçosa, ela me colocou nos eixos. Estreei no teatro com 17 anos com meu pai, fiz muita coisa com ele. Depois fui para a Inglaterra, estudei dois anos na Royal Academy, em Londres, em 1946.

QUEM: Como era sua vida na Londres do pós-guerra?
BF:
Era a Londres do racionamento, que foi tão grande quanto durante a guerra. O açúcar era racionado, nós tínhamos tíquetes. Estudei desde criança em escola de língua inglesa, cheguei lá com o idioma afiado. Fiz muitos amigos. Era um negócio estranhíssimo conhecer alguém de teatro do Brasil, naquela época. Eu era um caso de estudo (risos).

QUEM: A senhora fez um filme por lá. Não pensou em fazer carreira internacional?
BF:
Eu ia fazer um filme que acabou a Audrey Hepburn fazendo, mas meu pai ficou doente, com tifo, ele estava à morte aqui no Brasil. Ele esteve muito mal, e quem tinha que tomar conta da família e prover era eu.

QUEM: Sua carreira atravessou vários períodos políticos no Brasil. A senhora chegou a ter problemas com a censura?
BF:
Na época de Getúlio Vargas, não. Getúlio admirava meu pai e sabia que eu falava cinco idiomas. Ele me convidou para ser intérprete do governo, mas ficou por isso mesmo. Depois é que entraram os grandes grupos novos de teatro com os grandes protestos nas peças. Aí, veio a censura pesada. Na época de Gota ­d’Água (1975), meu Deus do céu...

Bibi Ferreira (Foto: Marcelo Correa)

QUEM: O que aconteceu?
BF:
Paulo Pontes, meu marido, autor da peça junto com Chico Buarque, foi várias vezes a Brasília. Terror psicológico era um horror, você começava a ver a obra toda picotada e sem nexo. Hoje é considerada a maior peça do teatro nacional.

QUEM: Conseguiu sucesso financeiro com o teatro?
BF:
Não deu para comprar uma casa. Foi a televisão que me deu dinheiro, porque é uma coisa mensal, tem ordenado, você é contratada. Consegui ter minha casa própria, que é esta aqui. Nunca esperei morar em um lugar da categoria deste apartamento, nunca. Não achava que teria cacife. Eu não sei o que é dinheiro no banco. Vivo daquilo que eu ganho. Não posso parar de trabalhar. Teatro nunca me deu nada, não, e olha que eu faço sucesso no teatro! Mas tenho que ficar no teatro, que é a única coisa que sei fazer.

QUEM: Nunca teve vontade de fazer novela?
BF:
Fui convidada, mas nunca quis fazer. Sou preguiçosa e teria que acordar muito cedo para ir lá não sei onde para gravar. Mas gosto muito de novela, estou ligadona em Salve Jorge. Morena está grávida e tomo interesse como se fosse minha família, quero saber o que está acontecendo. Adorava Avenida Brasil e Carminha. Acho Adriana Esteves uma tremenda atriz, assim como Nanda Costa.

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Veja mais (Foto: Revista QUEM)

QUEM: A senhora já disse que a velhice é a prova de que o inferno existe. Continua pensando assim?
BF:
Envelhecer é para os outros mais do que para a gente. As pessoas é que comentam que você mudou. Quem não te vê há um ano se choca e faz perguntas diferentes. As perguntas dos outros é que vão te envelhecendo e você vai notando que não é mais aquela pessoa que você era. Isso é moralmente e socialmente. Fisicamente é que eu não tenho problemas, porque eu só tenho 25 anos. Ou muito menos.

QUEM: A senhora se casou cinco vezes...
BF:
Cinco vezes, mas pense que eu tenho quase 100 anos! Dá 20 anos para cada um. Morreram todos.

QUEM: Não sente falta de uma companhia?
BF:
A companhia de um marido é muito séria, importante. Sinto falta mesmo de um companheiro comigo dentro de casa. Mas agora eles só querem as mocinhas. Está difícil.

QUEM: Pretende encontrar alguém?
BF:
Nisso não acredito mais, é uma coisa abolida do meu pensamento. Você vai vendo no comportamento do homem que muda, coisas que ouvia e não ouve mais. Eu me lembro do olhar dos homens. Hoje, eu seria um sucesso com as pernas de fora, porque elas são a coisa mais bonita que tenho, não têm uma manchinha, vou te mostrar (Bibi levanta o vestido e mostra as pernas). Olha o pernão que eu tenho, modéstia à parte (risos).

QUEM: É difícil perceber que os homens não olham mais?
BF:
Você vai se acostumando ao que não mais merece e vai compreendendo que realmente não merece mais, embora eu tenha dentes todos verdadeiros, muito bons, pele muito boa. Mas eu tenho a fama de ter 90 anos, o que é um mal. Os 90 anos chegam antes de mim. As pessoas falam “o meu bisavô era amigo do seu pai”. Então, acabou.

Bibi Ferreira (Foto: Marcelo Correa)

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